segunda-feira, 5 de abril de 2010

Confissão

Caro amigo,

tenho que te confessar, não dá mais pra continuar assim, com o peito entupido por esse segredo: Eu matei um homem... Eu matei meu marido!

Você deve ter notado que ele sumiu, que quase não falo mais nele, q nas fotos ele não aparece mais e q evito marcar compromissos juntos! Claro que minha justificativa foi ótima: estávamos separando! Mas a verdade, nua e crua (toda vez q falo isso penso em um açougue onde cada peça de carne pendurada é uma “verdade”) é que eu o assassinei. Sim, morto, mortinho da Silva, da Souza, da Pereira, da Teixeira.

E eu me arrependo demais de tê-lo feito, amigo! Não queria, não planejei, não pensei. Só pensava e retira-lo da minha vida, da minha convivência, de não ter que falar com ele por nada, de ter tranqüilidade e ser livre daquele homem que tanto me amava.

E esse arrependimento só começou agora. Alguns momentos logo depois senti alívio, paz e até uma certa felicidade. Culpada, claro! Fiquei ótima por muito tempo. Sem remorso, sem saudade. Livre e sem ninguém para mim.

Mas de uns tempos para cá essa liberdade começou a incomodar. Veio devagar, com um choro ao dormir sozinha na cama, ainda do meu lado da cama, sem ele para preencher o travesseiro vizinho do meu. Nunca desde sua morte consegui dormir esparramada na cama toda. Ainda mantinha o seu lugar a espera do fantasma que nunca voltou para mim.

E aos poucos aquela dorzinha foi crescendo e já aparecia em muitos momentos. Não só à noite antes de dormir, mas também indo pro trabalho, no ônibus, no banheiro do escritório, no almoço coletivo, na manicure, nos sábados à tarde quando eu esperava-o cozinhando algo gostoso para a noite, vendo lutas na TV e aos domingos. Domingo é o pior dia para se sentir falta de um morto.

A dor foi ficando enorme, pois se uniu com a esperança de que ele ressuscitasse, como em filmes de zumbis. E no fundo eu sabia que ele não ia. Porque dói muito saber perceber que eu nunca mais vou tê-lo de volta, que sua presença mesmo calada, mesmo emburrada não me fará companhia.

Em alguns momentos ainda acho que isso parece sonho, que ainda estamos juntos, rindo, fazendo planos e com a certeza absolutamente intacta que nunca, nem nada, nem ninguém iria nos separar. Chegamos a prometer-nos isso: não importa o que aconteça a gente nunca vai se separar, Sheila! Ele dizia! Eu pactuei com isso. Mas um dia quebrei a promessa e o matei. Eu fiz algo inimaginável e ele nem lutou. Deixou-se morrer.

Sinto tanta raiva dele por não ter lutado mais pela própria sobrevivência. É um crápula que se deixou assassinar facilmente. Ou ele achava que manter a própria vida ia ser fácil? Francamente, na nossa idade a gente não pode mais acreditar que as lutas são simples, nem desistir delas assim, com tanta resignação. Porque ele se deixou morrer, amor? Porque me deixou mata-lo? E agora? Como vou tê-lo de volta se os mortos nunca voltam?

Uma realidade que ultimamente tem me passado pela cabeça é que ele pode realmente não voltar, né? Aí, eu que não sei como irei continuar respirando. Acho que um suicídio está prestes a acontecer.

Mas não se preocupe, que eu volto caso me mate!

Beijos ainda terrenos,

Noiva cadáver

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