sexta-feira, 29 de outubro de 2010

ALMOÇO

Tem pouco tempo descobri que gosto de almoçar só. Quer dizer, só não pq estou sempre comigo mesma. E nós duas ficamos muito bem durante as refeições, olhando pessoas, comentando sobre os fatos do dia, brigando, relembrando nossas vidas. Hoje fui estrategicamente mais cedo para minha refeição. Refeitório calmo. Consegui equilibrar a comida com tranqüilidade desde a balança até meu assento. A mesa, do tipo fórmica barata branca de 10 lugares só tinha mais 3 pessoas num canto. Escolha perfeita: me sentei no extremo oposto. Cordial, mas distante. Não demorou muito, os 03 acabaram e foram embora. E meu inferno pessoal começou.

Num momento de distração, alguém pousa um prato colossal no assento em frente de mim, senta, não diz nada e começa a comer vorazmente.
- Por que você sentou em frente de mim? Por que? Tem a mesa toda com outros lugares livres.

Digo muito alto na minha cabeça. Caio parece não me ouvir. Se digna a comer seu farnel me ignorando.
Não, não conheço Caio. Sei apenas seu nome porque aqui, nesta grande comunidade do ouro negro somos todos apresentados a revelia, com nossos nomes expostos no peito, mas sem sermos amigos de ninguém.

Observei Caio num crescente fluxo de raiva dentro de mim. Caio é pequeno, mirrado, esquálido, sub-nutrido, junior. Se não fosse por seu rosto, duro, serio e encovado diria que era apenas um menino, mas seu prato e faces me mostravam o contrário. Era uma montanha de comida, com todos alimentos da natureza: carne, arroz, feijão, alface, beteraba e em cima de tudo batata frita. Caio sentou envergado, aproximou o rosto o máximo do cume e foi comendo como quem escaneia um documento: de cima para baixo. Ele não comia selecionando alimentos, comia tudo junto limpando o prato do quadrante superior até o quadrante inferior daquele disco branco de cerâmica, sem respirar, sem levantar o olho do prato. O que caia no garfo, ele colocava em sua boca: batata com beterraba, arroz com alface, carne com feijão e cebola. Caio parecia uma maquina. Pensei em quanto tempo ele levaria ainda para acabar, pois alem do prato quente ainda havia a sobremesa: mamão em pedaços.

- Mas, Caio, você botou também mamão junto do arroz! Sabia? Nem eu que sou uma louca com comidas, faço isso, meu querido!
Eu olhava para ele, olhava para as cadeiras vazias e fuzilava-o com o olhar:
- POR QUE VOCE TA FAZENDO ISSO COMIGO?

Caio terminou seu escaneamento antes de mim (Ufa!). Se levantou, me olhou nos olhos (Cara de pau, hein?) e sorriu. Um sorriso terno, não gratuito e sincero que diz:
- Obrigada pela companhia durante o almoço!
E foi embora, com o estomago aquecido e satisfeito. Da mesma forma, meu coração também se aqueceu.

- Até a próxima, Caio! Obrigada a você!
Disse, com saudades do baixinho!

Um comentário:

Homerix disse...

Gente, que situação! Que descrição! Foi como um filme.

Aliás, já vi coisas do tipo!!

E devo admitir que como meio ráído mas não com essa voracidade. Sempre acabo antes dos demais, umas poucas vezes sou vice.

Já eu fico triste quando almoço sozinho, acho que já estou resolvido comigo mesmo, gosto de compartilhar, como você sabe. E faço questão de não falar de trabalho. Quando alguém começa a falar, peço que coloque imediatamente o crachá (sim, almoçamos fora) para das a senha!

Enfim, excelente comentário!

Tem que escrever mais!!!